O RELÓGIO DO BONFIM

 

Por: Emanuel Soares de Araújo

Lá nos idos de 1848, o então Presidente da Província de Sergipe - Zacarias Góes e Vasconcelos - efetuava uma grande reforma na Matriz da velha capital, e desejava instalar no edifício renovado um relógio que marcasse as horas da gente sancristovense.

Surge-lhe então, a (funesta, segundo os laranjeirenses) ideia de transferir de Laranjeiras um relógio recém-doado por abonados senhores de engenho da região à Irmandade do Senhor do Bonfim; que pretendia instalá-lo na Torre a ser construída na Capela Azulada, localizada no ponto culminante da cidade.

Os irmãos recusaram-se a atender a ordem de translado. Então, Doutor Zacarias convoca os doadores a desfazer a doação e entregar o artigo ao poder público. Os benfeitores constrangidos diante do governo sacramenta a entrega do bem à Província. Logo o Presidente despachou um destacamento com ordem de buscar o Relógio.

Os laranjeireses (que sempre mantiveram a rivalidade com o povo de São Cristóvão), ao tomarem conhecimento das ordens do Presidente trataram de apreender o caixotes com as peças do relógio ainda embaladas (depositados num dos Trapiches locais) e dispersaram todas suas partes entre os habitantes. Assim dificultariam a ação das forças oficiais. Diante de tudo isso, Zacarias Góes chegou a ir pessoalmente a Laranjeiras - que ele mesmo tinha elevado a categoria de cidade. Foram feitas buscas nos engenhos, fazendas, sítios e até nas residências. Todas as escavações fracassaram. O espírito do fanatismo já tinha tomado conta da alma do povo.

A própria Assembleia Provincial repercutiu o fato negativamente. Os deputados palestravam contra a truculência do Presidente (na verdade, um estrangeiro em terras sergipanas, pois de nascimento era carioca).  

Diante de tanta repercussão desastrosa, Dr. Zacarias deixou os laranjeireses em paz. A Irmandade do Senhor do Bonfim continuou com a posse do relógio e apressou a construção da Torre da Capela Azulada. Só anos mais tarde, um novo relógio seria comprado para a Matriz sancristovense.