sexta-feira, 9 de abril de 2010

Lavoura Deletéria

 

Seu Antonio cortava a BR 101 em seu automóvel na companhia do seu sobrinho. Saía de Aracaju em direção a sua fazenda no Município de Capela/SE. Em meio a viadutos e obras inacabadas, saíram da capital, passaram por Socorro, Laranjeiras e já estavam em Maruim.

Durante o percurso, aquele “Jovem Senhor” com seus cinqüenta e seis anos de idade, recitava a história das fazendas que margeavam a rodovia e de outras que permeavam sua memória. Aquele sujeito tinha muita história pra contar, pois transitava por aquele caminho desde a infância, época em que a estrada ainda era de piçarra.

Conversavam sobre a cana-de-açúcar e as mudanças na paisagem rural do Vale do Cotinguiba e Japaratuba. O sobrinho adorava “desencavar o passado” e ouvia atentamente as histórias do tio, um apaixonado pela terra e que em seu discurso deixava transparecer um ar de indignação.

Ao passar pela entrada da Fazenda Pedras, antigo Engenho localizado em Maruim, seu Antônio relembrava a infância, época em que juntamente com o seu pai, saía da fazenda da família no Povoado Boa Vista, divisa entre Capela e Siriri e seguia por três horas a cavalo, até chegar à sede daquela usina que à época funcionava a pleno vapor.

Lembrava-se de um tempo em que o sistema rodoviário sergipano, assim como o brasileiro, estava sendo implantado e os moradores dos povoados ainda se utilizavam dos cavalos, mulas e carros de boi para se deslocarem até a sede dos Municípios, passando por várias fazendas, muitas com seus sobrados datados do século XII, XIX.

Na coivara da memória, Seu Antônio deixava transparecer uma indignação para seu sobrinho. Estava assustado com a retomada da atividade canavieira no Estado e os seus impactos ambientais e sócio-culturais, pois já tinha visto muitas sedes de fazenda serem abandonadas e posteriormente derrubadas para dar lugar ao cultivo da cana-de-açúcar.

Assim como outros pequenos e médios proprietários, tivera que se desfazer do seu rebanho para plantar cana-de-açúcar e logo percebia a mudança que ocorria em sua propriedade.

A cana se alastrava pelos pastos antes conhecidos e demarcados por árvores e riachos; já não havia espaço para a pecuária e freqüentar a fazenda já não era mais prazeroso, uma vez que não havia gado pra tratar, nem paisagem a contemplar, mas somente a cana-de-açúcar a rodear a propriedade.

A casa sede da fazenda, antes freqüentada pela família, estava abandonada, pois seus familiares não viam graça em freqüentar um lugar rodeado de cana de açúcar. Até para se banhar no riacho, era preciso romper um canavial.

Durante a viagem, agora já passando por Carmópolis, o tio mostrava ao sobrinho as mudanças na paisagem; em muitas propriedades o trator destruía os pastos, deixando mostrar um massapé pronto para o cultivo; em outras a máquina destruía a vegetação remanescente de mata atlântica.

Percorrendo a estrada, avistavam-se chaminés de antigos engenhos que ainda emprestavam o nome às propriedades. Em algumas dessas fazendas, ainda se podia ver ao longe antigos sobrados, muitos em ruína e outros ainda de pé, mas à espera de serem esquecidos mais uma vez no meio dos canaviais

O fenômeno do etanol parecia um fantasma a confirmar o destino do nordeste e a impressionar os pequenos proprietários, muitos deles apaixonados pela sua atividade, mas esquecidos pelas políticas agrícolas do governo, que deixam de priorizar os investimentos na base da produção e preferem dar mais uma chance aos grandes empreendimentos.

Prosseguindo a viagem, mais uma marca da “nova era do etanol”. A estrada que liga a BR-101 à cidade de Capela, (estrada que passa pelo Povoado Miranda e margeia a Mata do Junco) estava sendo asfaltada. Obra esperada há muito tempo pelos moradores dos povoados e que trazia desenvolvimento e progresso à região.

Cortou-se a estrada e enfim chegou-se à propriedade do seu Antônio, que estava indo passar o final de semana na fazenda. Na cabeça do seu sobrinho, muito se refletia, afinal sabia-se que a nova era do etanol trazia desenvolvimento; emprego, mas a que custo? Será que haveria uma maior distribuição de renda? Será que o saneamento básico, o posto de saúde, a escola chegaria aos povoados mais pobres?

Eram perguntas a serem respondidas pelos sociólogos, economistas, dentre outros cientistas. O fato é que o sobrinho de seu Antônio era um espectador, a presenciar o verde-cana despontar mais uma vez no Vale do Cotinguiba e Japaratuba, devastando muita mata e fazendo sumir os pastos, os sobrados e a identidade de cada propriedade.

Povoado Boa Vista, Capela/SE, 09 de maio de 2010.

Gonçalo Ribeiro de Melo Neto.

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