quarta-feira, 14 de abril de 2010

O último dos moicanos

Estou terminando uma crônica e meu tio me chama na varanda. Finjo não escutar e ganho tempo escrevendo mais três palavras, afinal, o fim daquela história estava vindo a minha cabeça após três dias de peleja. Estava concentrado, mas tinha que atender a meu tio, que já me chamava pela segunda vez. Estou indo! Gritei da sala e saí ao seu encontro.
Cheguei à varanda e lá estava ele consertando uma canga de carro-de-bois.Havia me chamado para auxiliá-lo na tarefa, uma vez que era necessária a ajuda de um terceiro para segurar a canga, enquanto se media o tamanho dos novos fueiros a serem encaixados na peça.
Confesso que me arrependi de não ter atendido logo ao primeiro chamado e de ter corrido imediatamente para a varanda daquela casa. A crônica podia esperar, mas não podia deixar de assistir ao conserto de artefato tão raro nos dias de hoje.
Comecei a auxiliá-lo e a fazer várias perguntas, como era praxe. Onde o senhor manda fazer essas cangas, ainda é fácil encontrar quem faça esse tipo de peça? Respondia-se a cada pergunta detalhadamente e já se emendava em outras histórias, para a minha felicidade.
Meu tio era um pequeno proprietário que mantinha a sua fazenda de 40 hectares com a paixão pelo trabalho e pela terra, tentava se equilibrar e gerar renda com dignidade no mundo sacrificado da agricultura.
O carro-de-bois era um símbolo da persistência e era muito utilizado nas atividades diárias da fazenda; no transporte de estrume, piçarra, pedras. Além disso, no cultivo da cana-de-açúcar, arava-se a terra com a plainé, arado puxado por bois;
Em meio à prosa, chega um sujeito com seus vinte anos de idade, cabelo comprido e algumas tatuagens. Era um dos trabalhadores temporários e vinha receber o pagamento da semana.
Havia sido contratado para trabalhar só por uma semana, pois trabalhar como empregado fixo não era o desejo dele, nem de outros trabalhadores, que não queriam morar na fazenda. Estava difícil encontrar um bom vaqueiro.
Os tempos haviam mudado e a globalização havia alcançado o povoado onde a fazenda se situava. Há pouco tempo atrás, era difícil encontrar um trabalhador rural usando tatuagens ou cabelo comprido; assim como também era difícil imaginar que as drogas e a violência chegariam aos povoados.
Aquele trabalhador chegou, pegou o dinheiro e saiu. Continuei a conversa com meu tio, que já havia se acostumado com o seu trabalhador globalizado, que usava tatuagem. Fiquei aéreo a imaginar que estava ao lado dos últimos dos moicanos.
Estava do lado de uma espécie em extinção, um pequeno proprietário que lutava para manter a sua propriedade produtiva em um mundo globalizado, onde os vaqueiros já eram escassos e os encargos trabalhistas, ambientais e a violência preocupavam o fazendeiro. Cheguei à conclusão de que só a paixão pela terra mantinha aquele sujeito naquela atividade.
Prosseguindo a prosa, descobri que aquele trabalhador que havia chegado usava chapinha para manter os cabelos lisos... Sem comentários!
Povoado Boa Vista, Capela/SE, 10 de maio de 2010.
Gonçalo Ribeiro de Melo Neto.

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