quinta-feira, 11 de março de 2010

Lacongas e Papa Figos

Por: Gonçalo R. de Melo Neto

Meados de sessenta. As ruas do Aribé circundavam os trilhos da Rede Ferroviária Federal. A estação ferroviária reinava imponente, dinâmica, motivo de orgulho para os funcionários e para os moradores daquele bairro operário. Era tudo movimento: o som dos trens apitando, o baque dos vagões engatando, filas de pessoas na estação...

Em uma das ruas do bairro, bem próximo à estação, garotos jogam bola sem a permissão de seu pai. Eram os filhos de Juvenal, funcionário da LESTE que nunca permitira que um filho seu freqüentasse a rua, sobretudo para jogar bola, molecagem para ele. A função de Juvenal era a de frear os trens da companhia, emprego que conseguiu por intermédio de um amigo logo que chegara do interior do Estado.

Aquele homem não possuía sequer o curso primário, mas era uma "figura impoluta de caráter sem jaça". Sempre repetia para os filhos mais ou menos assim: "faça o que eu faço. Se um dia vocês me virem bebendo em um bar, podem assim fazer, se não me virem fazem, também não façam". E assim ele educava os seus filhos, através do exemplo.

Pois bem. Eram quinze horas e os meninos brincavam despreocupados, pensando que Seu Juvenal só estaria de volta às dezoito horas. Naquela época os garotos não temiam seqüestro ou assalto, mas somente duas coisas: a chegada antecipada do seu pai e a lenda urbana da época, o "papa figo". Diziam que o "papa figo" era um sujeito que se alimentava do fígado de crianças. Para tanto, ao encontrar suas vítimas pelas ruas, colocava-as em um saco e as levava até a sua casa, onde terminava o serviço. Imaginem só, um drácula sergipano pelas ruas de Aracaju! .

Mas o fato é que as crianças, mesmo receosas, estavam ali brincando, sem saber que naquele dia o seu pai viria mais cedo do trabalho. Naquele exato momento, Seu Juvenal descia as escadarias da LESTE. Vinha sereno, assobiando como sempre e respondendo aos cumprimentos dos colegas.

Rompeu a passos lentos o primeiro, o segundo quarteirão. Ao dobrar a esquina da rua onde morava se deparou com a meninada. Assobiou bem forte e os meninos, mesmo não acreditando no que ouviam, obedeceram prontamente à ordem e correram para casa. Juvenal não admitia que os filhos ficassem na rua. Iniciou a mesma ladainha de sempre "faça o que eu faço...", mas não foi só. Além do sermão tinha que contar uma outra história para aterrorizar as crianças.

Começou a falar de Laconga. Essa outra figura lendária era um sapateiro sereno, tranqüilo, mas que não conseguiu suportar as provocações de um moleque que ousava caçoar dele todos os dias. Contam que Laconga matou o referido garoto e foi condenado por isso. Anos depois, após o cumprimento da pena, o ex sapateiro voltou a freqüentar as ruas de Ara, sendo motivo de fofocas e cochichos por todos.

O Pai continuava o sermão: " Laconga está solto, vocês ainda vão ficar andando na rua?". E nessa ladainha Seu Juvenal contava mais uma história que na época aterrorizava e servia de lição para as crianças mais afoitas, em um tempo em que se criava com histórias e exemplos...

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